II Encontro Energia & Comunidades resulta em documento com reivindicações de povos indígenas, extrativistas e quilombolas

II Encontro Energia & Comunidades resulta em documento com reivindicações de povos indígenas, extrativistas e quilombolas

Tempo para leitura: 5 minutos

Texto e foto: Gabrielle Adabo – IEI Brasil

Comunidades inteiras vivendo sem nenhuma energia. Outras onde apenas é possível contar com a energia produzida a partir de um gerador a diesel, que é usada para bombear a água. Na ausência da energia ou com uma energia de qualidade tão baixa que não tem força suficiente nem para manter ligada uma geladeira os alimentos estragam muito rápido, antes de serem consumidos ou mesmo vendidos e gerarem renda. Os poucos sistemas elétricos e equipamentos queimam e quebram, sem que ninguém possa repará-los. Crianças estudam em escolas sem energia elétrica e têm acesso a vacinas apenas durante campanhas. Os impactos da falta de energia são sentidos na saúde, na economia, na educação e até mesmo na segurança das populações amazônicas.

Em meio aos relatos de ausências e perdas, alguns lampejos do primeiro contato com a energia: uma mãe conta sobre o encantamento do filho de cinco anos ao abrir uma geladeira pela primeira vez; um pai, já idoso, que passou a noite toda maravilhado acendendo e apagando a luz, após lutar a vida toda pelo acesso à energia e finalmente tê-la em sua casa; moradores de uma comunidade que se dão as mãos para, juntos, ligarem a chave do sistema e presenciarem, pela primeira vez, a chegada da energia em todas as casas; o primeiro contato, já adulto, com a energia, após o avô ter falecido antes que tivesse a oportunidade de vê-la chegar na comunidade. 

Essas foram algumas das histórias narradas por representantes dos povos indígenas e das comunidades extrativistas e quilombolas presentes no II Encontro Energia & Comunidades, realizado de 9 a 11 de maio na cidade de Belém, no Pará. O Encontro reuniu presencialmente cerca de 300 pessoas, a maioria vinda de comunidades amazônicas do Norte do país. Lá eles relataram a representantes do governo, de prefeituras a ministérios, e de organizações sociais e empresas, as principais dificuldades no acesso à energia elétrica e a todos os serviços relacionados a ela. 

O Encontro foi  realizado pelas organizações que representam as comunidades Coiab, Fepipa, Conaq, Malungo e CNS e pela Rede Energia & Comunidades, da qual o IEI Brasil faz parte, ao lado de organizações como Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, Fórum de Energias Renováveis de Roraima, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Instituto Socioambiental (ISA), Litro de Luz, Projeto Saúde e Alegria (PSA) e WWF-Brasil.

O principal objetivo do evento era criar um espaço seguro de fala e debate para as comunidades presentes se manifestarem. “Muitas vezes políticas são formuladas ou decisões são tomadas sem proximidade necessária com a população e até sem entendimento adequado do problema, por melhor intenção que haja. Esse Encontro tomou esse cuidado”, explica Rodolfo Gomes, diretor executivo do IEI Brasil. “Esperamos que isso ajude a aprofundar a participação das populações nas tomadas de decisão, no monitoramento e avaliação das metas de universalização do acesso à energia e de outros serviços essenciais para os quais a energia é um componente importante em suas provisões”, completa.

O evento foi composto por plenárias formadas por representantes dos povos indígenas, extrativistas e quilombolas, nas quais se escutou a demanda das populações. Em outras, foi feito o diálogo com representantes do governo presentes. Também foram apresentadas soluções e tecnologias de acesso à energia por organizações e empresas com experiência de atuação em territórios isolados.

Um dos momentos-chave do evento ocorreu na tarde do segundo dia (10), quando os participantes se reuniram em três grandes grupos, conforme sua comunidade de origem, para debater as principais dificuldades no acesso à energia e listar as principais demandas para o governo. Essa foi a base para a construção de um documento de reivindicações, produto do II Encontro e que será enviado a diferentes esferas do governo para garantir que a voz dessas populações continue a ser ouvida e que suas demandas sejam atendidas.

Confira aqui mais detalhes sobre a programação do evento. 

Documento de reivindicações

Dentre os pedidos contidos no documento de reivindicações com as demandas de quilombolas, indígenas e extrativistas relacionadas às questões energéticas, um deles é comum e se destaca: que as populações sejam sempre ouvidas e participem da tomada de decisões na construção dos programas e nas soluções de acesso à energia. Em comum, também estão as descrições dos impactos da ausência de energia de qualidade e o pedido por sistemas baseados em energia limpa não apenas aquela que venha de fonte de geração considerada limpa, mas que não cause nenhum impacto ambiental ou invasão de território.

O documento divide as demandas de acordo com as três populações. Para os povos indígenas, a ausência de energia é sentida sobretudo no acesso à água limpa, o que impacta diretamente a saúde da população. O problema do acesso à energia também encontra outras questões, como a invasão dos territórios: 

“A ausência de energia elétrica traz consequências e prejuízos: no armazenamento das merendas escolares, nos postos de saúde para armazenamento de vacinas e medicamentos, e coloca também os nossos territórios em constante vulnerabilidades suscetíveis a invasões, grileiros, garimpeiros, entre outros, por não conseguirmos fazer o monitoramento e a vigilância dos nossos territórios com o uso de tecnologias que necessitam de energia elétrica para seu funcionamento (celulares, drones, rádio, internet, computadores e câmeras)”, dizem os povos indígenas no documento.

As comunidades quilombolas falaram muito de sua relação com o território e de como vêem as marcas do impacto dos sistemas de geração de eletricidade sobre ele, mas sem terem acesso à energia. As comunidades também destacaram a ausência de escuta do governo com relação às suas demandas e a necessidade de urgência no retorno: 

“As comunidades dos Territórios Quilombolas veem a energia passando por seus territórios, mas não a recebem em suas casas. Nós somos os donos da água, dos rios e dos territórios. Portanto, acessar a energia é um direito nosso. Não queremos que este documento seja apenas mais um documento apresentado, e sem devidas respostas, portanto, EXIGIMOS que as demandas aqui apresentadas, sejam tão logo solucionadas, ou que nos apresentem diretrizes concretas para o melhor aproveitamento deste debate”. 

As comunidades quilombolas também falaram sobre os impactos que a ausência da energia traz para a saúde e que não são muito conhecidos: por exemplo, o excesso de sal na alimentação que vem da necessidade de preservar os alimentos salgando-os; e os acidentes, até mesmo fatais, devido à ausência de capacitação dos moradores para fazer reparos nas instalações elétricas. 

A relação dos povos com a preservação da natureza e a da energia com o impacto no meio ambiente faz parte de todo o documento. As populações extrativistas destacam e pedem cuidado especial com essas questões: 

“Criticamos o modelo energético existente, que é predatório, causa degradação ambiental e não fornece energia para as populações tradicionais. Queremos influenciar a transição energética no Brasil, de acordo com as necessidades do território e mudar a forma como os ecossistemas são explorados. Temos que reconstruir a essência desse modelo energético, onde seja primordial gerar energia limpa e conservar a natureza”. 

Muito presente no Norte do país, a produção do açaí é uma das atividades prejudicadas pela ausência de energia. Sem nenhuma ou com pouca refrigeração, o alimento dura bem menos e precisa ser produzido em menores quantidades, o que compromete a geração de renda.

O documento encerra citando a questão climática e a luta pela preservação da Amazônia. Acesse o documento completo no site da Rede Energia & Comunidades.

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