Sabores e dissabores da COP30

Sabores e dissabores da COP30

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A coordenadora de Energia, Gênero e Interseccionalidades (EGI) do IEI Brasil, Lígia Amoroso Galbiati, faz uma análise da COP30, da qual participou em Belém de 11 a 22 de novembro, neste artigo publicado pela Aliança para uma Transição Energética Justa e Igualitária (TEJI). 

Entre água e fogo, a COP30 se encerrou no dia 22 de novembro com um sentimento difícil de descrever. Se por um lado, é importante reconhecer que houve alguns ganhos e avanços nas discussões diplomáticas, por outro, é inegável que os resultados oficiais ficaram muito aquém do que é necessário para o momento em que vivemos.

Avaliando brevemente os principais resultados que a Conferência trouxe no âmbito das negociações multilaterais, relacionados à transição energética e à perspectiva interseccional de gênero, destaco a criação de um mecanismo para a transição justa, com propósito de “aprimorar a cooperação internacional, assistência técnica, capacitação e compartilhamento de conhecimento, e permitir transições justas, equitativas e inclusivas”.

A decisão que consolidou esse mecanismo ressalta que os caminhos de transição justa devem respeitar, promover e cumprir com os direitos humanos e trabalhistas, com questões relacionadas à saúde, direitos de populações indígenas, pessoas afrodescendentes, comunidades locais, migrantes, crianças, pessoas com discapacidades e pessoas em situação de vulnerabilidade, bem como a equidade de gênero, empoderamento de mulheres e equidade intergeracional. É um importante reconhecimento do olhar interseccional para que uma transição seja de fato justa.

Um acontecimento histórico dessa COP e que deve ser celebrado é a inclusão do termo “pessoas afrodescendentes” em quatro decisões finais, dentre eles, o Plano de Ação de Gênero de Belém, com validade entre 2026 e 2034. Esse plano estabelece cinco áreas de ação prioritárias que podem servir para as nações como ferramentas para implementação de suas próprias políticas e ações climáticas, reconhecendo a importância de políticas e ações sensíveis a gênero para aumentar as ambições, garantir a equidade de gênero e uma transição justa da força de trabalho. Apesar da aprovação do Plano, houve tentativas de retrocesso em relação ao próprio conceito de gênero, que alguns países, como Argentina e Paraguai, impulsionaram ao tentar restringir sua definição para se referir apenas a homens e mulheres, uma perspectiva excludente e binária.

Apesar desses avanços relativos, menções à transição para longe dos combustíveis fósseis e à redução do desmatamento – principais causas do aquecimento global – ficaram de fora da Decisão Mutirão, principal decisão oficial da Conferência. Isso gerou movimentos inesperados: o chamado da Ministra do Meio Ambiente da Colômbia para a realização de uma conferência paralela em Santa Marta na Colômbia, em abril de 2026, construída em parceria com a Holanda, com objetivo de construir um caminho de transição justa para longe dos combustíveis fósseis – iniciativa apoiada por dezenas de países. E o anúncio do presidente da COP30, de elaborar paralelamente os “mapas do caminho” para eliminação dos combustíveis fósseis e para a redução do desmatamento, como uma iniciativa da presidência brasileira nos próximos 11 meses de seu mandato.

O que vemos se repetir todo ano é um processo que pouco avança por conta de entraves políticos relacionados especialmente às questões de financiamento e da transição para longe dos combustíveis fósseis. E muitos dos avanços só ocorrem por conta da mobilização, articulação e incidência política de diversos grupos da sociedade civil que atuam fortemente para garantir avanços mínimos nas negociações.

É urgente repensar os mecanismos de atuação da UNFCCC e da Conferência das Partes, como as políticas de consenso, que acabam por emperrar as negociações; a ausência na transparência das negociações, que acontecem em grande medida, a portas fechadas, sem acesso dos observadores; a captura corporativa e lobista de empresas poluidoras e do setor de óleo e gás, que a cada ano estão mais presentes nas conferências; as políticas de equidade de participação dos países e observadores, dentre outros. Não à toa os sentimento de desconfiança em relação à legitimidade do processo e de pouca esperança nos resultados da Conferência aumentam ano após ano.

Esse sabor agridoce e um tanto insosso que ficamos com o encerramento das negociações na bluezone contrasta fortemente com a explosão de sabores que experimentamos com os movimentos paralelos que aconteceram na cidade de Belém, especialmente a Cúpula dos Povos. A efervescência das diversas manifestações sociais nos brindou uma experiência majestosa, após tantos anos de aridez na mobilização social, por conta das restrições políticas dos últimos países-sede.

Culminando em uma Marcha Global pelo Clima, que reuniu em torno de 70 mil pessoas nas ruas de Belém, a Cúpula foi uma construção coletiva de diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil que, paralelamente ao longo da primeira semana da COP, discutiu diversos temas pertinentes à questão climática de maneira crítica, dentre eles, a transição justa, popular e inclusiva, que “busca uma transição energética e econômica que não penalize as comunidades, com alternativas de desenvolvimento baseadas em justiça social e territorial”.

Em sua declaração final, destacam a centralidade do feminismo em seu projeto político e o reconhecimento de que não há vida sem o trabalho de cuidados. Além disso, afirmam que a transição energética da maneira como está sendo proposta não está contribuindo com a redução das emissões, se tornando apenas mais um espaço de acúmulo de capital às custas das populações já vulnerabilizadas do Sul Global e, dentre diversas demandas, exigem uma transição justa, soberana e popular, que considere a energia como um bem comum e não como uma mercadoria.

Finalizam com um chamado para a unificação da luta dos povos, como uma tarefa política essencial para o enfrentamento do inimigo comum, o modelo civilizacional que explora corpos e territórios, e que produz as mudanças climáticas. Essa é a mensagem que precisamos levar em todos os nossos espaços de atuação – dentro e fora da COP.

Texto publicado originalmente aqui. Acesse também o Instagram da Aliança para uma Transição Energética Justa e Igualitária (TEJI). Imagem de destaque: arte TEJI.

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